Do que eu não tenho saudade nos anos 80


Volte no tempo. Mais precisamente, uns três namoros. Porque você terminou aquele relacionamento? Talvez a resposta venha meio vaga. “A gente não combinava muito”, “Não estava mais dando certo”. É provável que você até pense: “Pô, ela era tão bonita…” ou “Ele me tratava tão bem!”.

A gente tende a ser muito camarada com as coisas do passado, mas às vezes os objetos no retrovisor parecem mais bacanas do que realmente são. Se passasse mais uma semana do lado da ex, é bem possível que você lembrasse de outras coisas: “Muito ciúme”, “Nunca tem tempo pra mim”, “Reclama de tudo”, “Sempre tem razão”.

É mais ou menos assim que muita gente aborda os anos 80.

Kichute era feio e desconfortável. Dip’n’lik e Kisuco eram enjoativos (aliás, pra que tanta letra K?). O controle do Atari dava bolha na mão. Aqueles cigarrinhos de chocolate tinham um gosto horrível. Vídeo cassete não era nada prático. Chaveiro musical era estridente. Canetas de 20 cores eram um trambolho. Letra Set dava um trabalho do cão. E nada – nada – justifica aqueles penteados.

Mas aí o cabra fica todo nostálgico quando recebe um email com uma coletânea dessas quinquilharias.

Claro, quem era bom de verdade subiu pra um panteão de imortais – a Seleção de 82, o Mussum, a Coleção Vagalume, a Brooke Shields. Mas o resto, passou porque tinha de passar.

Nas redes sociais, vira e mexe alguém escreve algo do tipo: “Você não teve infância se não assistiu o Jaspion”, “Quem não brincou com o Genius não sabe o que é ser criança”, “Minha juventude foi melhor que a sua porque eu cantei Ilariê”. Oras, quanta bobagem. Se a molecada de hoje não tem Crush pra beber, lápis de tabuada pra colar na prova ou o Fofão pra se assustar, vão fazer o que? Ficar chorando a infância perdida ou se divertir com o que tem? Não há mais campinho pra jogar bola no fim da rua, nem telhado pra empinar pipa, nem o Bozo pra mandar cartinha. Há de se achar alternativas, e elas não são necessariamente piores do que as de trinta anos atrás.

Sentimos falta não de coisas, mas de um contexto maior. Não tenho saudades da pulseira bate-enrola. Tenho saudades da gatinha da quarta série, que enrolava a pulseira dela no meu braço durante a aula de matemática com a professora Roseli, lá no Dom Bosco. Melhor que os mini chicletes Adams era a Vó Odete me dando as moedinhas que sobravam da feira para eu comprar um pacotinho deles. E o bom não era só passar a manhã assistindo o Xou da Xuxa –era ter tempo pra passar a manhã assistindo o Xou da Xuxa.

Ancorar suas boas memórias em coisas e pessoas de outras eras pode ser uma grande decepção. Boas experiências raramente podem ser reproduzidas num tempo e espaço diferente. Limpar as gavetas do passado dá mais espaço pra se ocupar com o presente.

 

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9 respostas em “Do que eu não tenho saudade nos anos 80

  1. ahhhh eu sou muuuuuuuito nostálgica e até hoje prefiro atari. tanto que baixei os jogos no computador e consegui comprar os jogos para rodar no playstation!!
    uma coisa que me faz pensar que minha filha não aproveita tanto quanto eu aproveitei é a área musical. Hj as crianças não tem opção musical e na minha época eu tinha balão mágico, trem da alegria, os abelhudos. Cara, o dono da terra dos abelhudos concorreu a melhor canção no festival dos festivais, a letra é muito boa, é música de qulidade para crianças, minha filha não teve esse prazer e agora com quase 10 anos ouve rihana, justin bieber, beyonce…pelo menos fiz ela gostar de iron maiden, pantera, ac/dc mas mesmo assim…eu lamento muito ela não ter curtido coisa feita pra idade dela mesmo…

    • Minha pequena se diverte bastante com Palavra Cantada e Adriana Partimpim (alter ego infantil da Adriana Calcanhoto). Além, é claro, da Arca de Noé, clássico do Vinicius de Moraes que entra praquele rol sagrado que mencionei no texto…

  2. Amei o texto! Realmente ter saudade dessas coisas é sinal de que o contexto era fantástico, de que fomos felizes e sabemos – hoje – disso!
    Lembrei-me do pogobol e de uma mola que eu também amava… Sensacional!

  3. Sim, Ney, eu pertenço à sua turma. Meus pequenos sempre tiveram e hoje os pequenos deles tb têm Vinicius e sua Arca de Noé, Palavra Cantada pra hoje, e cada tempo possui coisas boas e ruins…cabe a nós selecionar o melhor para a criançada. Não enfoco o passado e nem sofro pelo futuro, vivo o presente. Aprendi com o passado, mas ele ficou. Planejo o futuro, mas ele ainda nem chegou. E qdo chegar, será presente. Por isso que o presente é um Presente. Viver o Aqui/Agora! Abraço e feliz o seu texto! Feliz sua família (a pequena e a grande)

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